Salvador – Mural de Carlos Bastos [destruído]


Imagem: Sipac

O Mural de Carlos Bastos, em Salvador-BA, foi tombado por sua importância cultural.

IPAC-BA – Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia
Nome atribuído: Mural do Artista Carlos Bastos (Edifício Argentina)
Localização: Andar térreo do Ed. Argentina – R. Miguel Calmon, nº 1 – Comércio – Salvador-BA
Território de Identidade: Metropolitano de Salvador
Processo de Tombamento: Nº 001/1986
Resolução de Tombamento: Nº 8.357/02, de 05/11/2002
Livro do Tombo dos Bens Imóveis: Inscr. nº 67

Descrição: Carlos Bastos é um pintor baiano de renome internacional, personagem importante na luta pelo movimento modernista na Bahia, considerado um dos pioneiros de uma arte que rompia definitivamente com o núcleo acadêmico da Escola de Belas Artes, além de propor um trabalho que, nas suas primeiras exposições individuais, provocaram reações, até mesmo violentas. O mural “Comércio no Porto de Salvador no Princípio do Século XIX” (de 1961) é considerado na fortuna crítica da obra do autor, como uma das peças mais representativas do seu trabalho e um dos marcos na pintura mural brasileira.
Fonte: Ipac-BA.

Descrição: Em 2002, o renomado artista Carlos Bastos (1925-2004) foi vítima de grave desrespeito ao direito moral à integridade. Foi destruído o mural de sua autoria intitulado “Comércio no Porto de Salvador no princípio do século XIX”, criado em 1961, em óleo sobre parede, com 21m de comprimento por 4,1m de altura, que estava afixado no andar térreo do Edifício Argentina, na Rua Miguel Calmon, Comércio, Cidade do Salvador. A loja de eletrodomésticos Insinuante passou a ocupar o imóvel e, sem qualquer comunicado prévio, transformou o consagrado mural numa simples parede amarela.
O jornal Tribuna da Bahia, em manchete datada de 20 de fevereiro de 2003, noticiou: “Apagaram Carlos Bastos”. Não havia título mais pertinente. Todos os jornais do Estado da Bahia noticiaram o grave ilícito.
O artista, em 2003, moveu uma ação contra as Lojas Insinuante Ltda. e o Banco Econômico S/A – em liquidação extrajudicial.
Em sua peça contestatória, a Insinuante alegou o seguinte: “tudo quanto diga respeito ao homem tem os típicos estigmas das efemérides e as inapagáveis cicatrizes da transitoriedade, posto que o tempo tudo leva, tudo desgasta e tudo desfaz”.
Com a devida vênia, tal raciocínio é equivocado no campo das obras de artes plásticas. Os eletrodomésticos vendidos pela Insinuante, sem dúvida alguma, são bens fungíveis, ou seja, de natureza substituível. Podem, perfeitamente, ser substituídos por outros da mesma espécie e qualidade. Já as obras de artes plásticas são bens
infungíveis, insubstituíveis. Eletrodomésticos, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, são considerados bens duráveis. Todavia, essa durabilidade dá-se pelo seu tempo de consumo, que é diferente, por exemplo, dos produtos alimentares. Ainda que duráveis, os eletrodomésticos são fabricados para o uso temporário, compatível com a sua natureza e seu destino. Têm, portanto, inelutavelmente, tempo limitado.
A aquisição de uma obra de arte gera um direito de propriedade limitado.
Isso porque quem compra um objeto artístico deve, também, conservá-lo e não, egoisticamente, destruí-lo. Essa é a lógica da função social da propriedade na seara do Direito de Autor.
O ato de ignorância das Lojas Insinuante merece repúdio público dos autoralistas brasileiros. O tacanho espírito consumerista, data venia, demonstrado na agressão à obra de arte – sem qualquer pré-aviso para uma possível transposição – e confirmado na peça contestatória – com a infundada tese de que “o tempo tudo leva, tudo desgasta e tudo desfaz”, vai de encontro não somente ao direito moral à integridade, mas, sobretudo, ao princípio da funcionalização da propriedade privada.
Sim, no exercício do direito de propriedade, deve ser preservado o patrimônio histórico e artístico, com base no §1º do art. 1.228 do Código Civil.
É bom que se diga que este estudo não pretende ir ao exagero de considerar ilícita toda e qualquer destruição de obra de arte afixada na parede de um edifício.
Haverá casos em que a destruição poderá ser inevitável. Circunstâncias extremas podem impor a mitigação do direito moral à integridade da obra, que não poderá ser considerado ilimitado.
Nesse sentido, Marisela Gonzalez Lopez afirma que, em regra, o autor pode opor-se à tentativa de destruição de sua obra afixada em um prédio. Todavia, segundo ela, deve ser buscado, na análise de cada caso concreto, o ponto de equilíbrio entre os direitos em colisão. Eis as suas próprias palavras: “Creemos no debe absolutizarse la
solución expuesta, pues los tribunales habrán de juzgar atendiendo a las particularidades del caso concreto y buscando siempre que sea posible un punto de equilibrio entre el derecho del autor y el del propietario”.
Aprofundando a perspectiva da colisão entre direito moral do autor e o direito do proprietário, indaga Mª del Pilar Cámara Águila: “¿Está obligado el propietario a soportar unos costes muy elevados para evitar la destrucción de la obra, y respetar con ello el derecho moral del autor? La importancia de los gastos puede frenar el proyecto de transformación del edificio”.
Os gastos com a tecnologia de transposição de um mural, caso esta seja necessária, devem ser arcados pelo proprietário ou pelo autor? E se forem muito elevados? A lei nada diz a respeito. De qualquer sorte, o mínimo que se exige do proprietário do prédio contendo um mural é que ele pré-avise o autor sobre a intenção de destruir a obra. Ora, uma destruição unilateral, sem qualquer prévia comunicação, consiste, no mínimo, em abuso de direito (Código Civil, art. 187). O Poder Público poderá, inclusive, colaborar, em determinadas situações, nos gastos com a transposição do mural.
Fonte: Moraes.

FOTOS:

MAIS INFORMAÇÕES:
SIPAC
Andrade Júnior; Andrade; Freire
Moraes


Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.