Betim – Cine Teatro Glória


Imagem: Google Street View

O Cine Teatro Glória é uma construção em Art Déco, que carrega toda uma gama de significados e vivências do funcionamento da colônia sanitária, imbricadas em um determinado contexto histórico, social e cultural.

Prefeitura Municipal de Betim-MG
Nome atribuído: Cine Teatro Glória
Localização: Colônia Santa Izabel – Betim-MG
Decreto de Tombamento: Ata do Conselho Deliberativo – 152º- reunião, realizada em 25/11/2015
Dossiê de Tombamento

Descrição: O Cine Teatro Glória é um importante monumento, ao representar o testemunho de uma época, um lugar de memória
dos moradores do bairro Colônia Santa Izabel. A edificação, nesse sentido, personifica aquilo que é comum a um determinado grupo social, uma identidade social – que faz com que a comunidade se sinta parte deste local, do espaço que traz a ―lume a história de todos‖ (TOMAZ, 2010). A construção em Art Déco, nesse sentido, carrega em si, não somente os elementos de sua composição, mas toda uma gama de significados, dramas, experiências, vivências que ali foram experimentadas, especialmente durante o período de funcionamento da colônia sanitária, imbricadas em um determinado contexto histórico, social e cultural.
Os relatos sobre o Cine Teatro indicam a importância da construção para a Colônia Santa Izabel, percebido como um dos poucos locais de lazer dentro de uma ―pequena cidade do interior. Preservado até hoje, somado às memórias de seus frequentadores, compreende um dos mais significativos elementos para a história e cultura da comunidade local. Para complementar o uso de fontes documentais e bibliográficas, a pesquisa, portanto, foi desenvolvida com base nos relatos de antigos moradores do lugar. Pois, compreende-se a memória em sua função antropológica como instrumento na investigação das memórias afetivas, das identidades sentimentais, e dos códigos culturais e, em destaque, das memórias coletivas e como meio eficaz de ―revisitação, reatualização das lembranças e do passado vivido e meio de produção de saberes históricos (CAVALCANTI, 2010). […]
O local escolhido para sua instalação foi o terraço do rio Paraopeba, próximo à jusante do rio Bandeirante, cujo vale foi também ocupado pela construção (RUGANI, 2002). A Colônia, na época de sua construção, tinha como via de acesso principal a ferrovia que ligava Belo Horizonte a Brumadinho, com uma estação em Mário Campos (Ibirité), próximo do seu portão de entrada, por onde chegavam diversos doentes trazidos de outras localidades. Para a constituição da sede do leprosário, através do Decreto nº 6.038 de 21/03/1922, o Estado desapropriou, a título de utilidade pública, os terrenos, mananciais e benfeitorias da Fazenda do ―Motta‖, no município de Santa Quitéria. A pedra fundamental da Colônia foi inaugurada em 12/10/1922, porém, seu funcionamento só se dará a partir de 23 de dezembro de 1931 (RUGANI, 2002).
A organização do local remete a disposição de um campo de ―concentração de saúde‖, constituindo-se como uma cidade-leprosário de características urbanas e arquitetônicas exclusivas às colônias desta natureza (ROCHA, VEIGA, 2004). Conforme Diniz (1961), o combate à lepra se amparava precariamente no tripé institucional composto pelo dispensário, com a função de descobrir, selecionar, internar os doentes, examinar os seus comunicantes e educar as massas; leprosário, destinado ao isolamento, assistência – material e moralmente –, tratamento e recuperação dos doentes, no intuito de devolvê-los ao meio social; preventório, que recolhe os filhos sadios dos hansenianos, tanto os nascidos nos leprosários, como os oriundos dos lares de onde saíram os doentes.
De acordo com o projeto de Continentino, inspirado nas experiências europeias anteriores, a lógica urbana seguia a lógica do tratamento, materializando um rígido zoneamento funcionalista. A localidade, portanto, foi subdividida em três áreas contíguas na seguinte disposição: Zona Sadia (alto risco de novo contágio): casa do diretor, casa dos médicos, residência dos funcionários, administração, almoxarifado, garagem, padaria, escola, farmácia, laboratório, usina, casa das irmãs e capela. Zona Intermediária (médio risco de novo contágio): pavilhão de recepção, pavilhão de observação, parlatório e cozinha geral. Zona Doente (risco nulo de contágio, já que nestas alas permaneciam apenas os doentes): pavilhão de diversões e praça de esportes, refeitório, pavilhão infantil, pavilhão para moças, pavilhão para mulheres, pavilhão dos homens, casas geminadas, dispensário, intendência, hospital de homens, hospital de mulheres, igreja, necrotério, cemitério, caixa beneficente, residências particulares (ROCHA, VEIGA, 2004).
[…]
A finalidade desse aparato era promover o total isolamento de leprosos do convívio com a sociedade. Rugani (2002), sobremodo, afirma que a colônia foi idealizada como uma estrutura complexa, com setores destinados aos pacientes casados, solteiros. Havia setores para quem tinha condição de pagar aluguel ou construir habitações privadas. Existência de pavilhões para os indigentes, separados para cada sexo; pavilhões para serviço clínico coletivo com enfermaria geral; enfermaria para intercorrências e outra para mutilados, além de sala de cirurgias. Outros pavilhões foram construídos para abrigar crianças, casos em observação, pacientes agitados e portadores de outras doenças infecciosas.
[…]
Em 1937, a Colônia Santa Izabel chegou a abrigar cerca de 3.886 enfermos dentro de seu perímetro urbano, sendo muito mais populosa que várias cidades do interior de Minas Gerais (CARVALHO, 2011). Segundo Hélio Aparecido Dutra, a partir de 1931, a colônia recebeu inúmeras pessoas de diferentes regiões do estado mineiro, do país e, inclusive, do exterior. Há registros de moradores oriundos da Itália e da Alemanha, entre outros lugares, que optaram pela internação no local. Notório exemplo entre as instituições sanitárias desse gênero, a ampla divulgação da recém- inaugurada Colônia Santa Izabel promoveu significativo fluxo de imigração em sua direção. Conforme José André Vicente, em 1940, a Colônia Santa Izabel era conhecida como a maior do Brasil.
[…]
Para minorar o sofrimento causado pela reclusão na colônia, foram criados ambientes agradáveis para os doentes, oferecendo-lhes um meio propício à vida sem constrangimento, onde pudessem exercer suas atividades cotidianas e divertir-se, mantendo relações gregárias
(RUGANI, 2002). Segundo os preceitos humanitários da época, foram construídos equipamentos destinados ao lazer coletivo, uma preocupação com o conforto e o bem-estar do doente – percebidos, contudo, como mecanismos de prevenção das fugas e de implantação de esquemas disciplinares necessários ao isolamento.
Foram criados, dessa maneira, os clubes recreativos, a Igreja Matriz de Santa Izabel, erigida em 1934, o bairro boêmio16, e o Cine Teatro Glória, consubstanciando o ambiente que possibilitaria a vida social e a socialização dos internos. Uma das práticas culturais incentivada entre os doentes era o teatro, que possibilitou a mobilização para a construção de um edifício próprio para as apresentações. O prédio destinado ao teatro e ao cinema foi o primeiro espaço erigido para as atividades de socialização e de lazer da Colônia. Destaca-se que foi o primeiro cinema de Betim, que ainda não havia se emancipado municipalmente, e o primeiro local de lazer da colônia. Porém, restrito apenas ao uso dos doentes. Sua construção começou a ser idealizada no início dos anos de 1930, sendo finalizada em 1934.
Nesse sentido, Hélio Aparecido descreveu o apoio municipal de Juiz Fora, não era motivado apenas pela sensibilidade humana. Havia o intuito de que os doentes notificados com hanseníase na região pudessem ser enviados para a Colônia Santa Izabel, uma vez que a colônia de Ubá ainda não estava pronta para funcionamento. Todo o recurso financeiro adquirido pela campanha de Alice foi entregue a Orestes Diniz, então diretor da Colônia Santa Izabel, para dar continuidade ao projeto da construção do Cine Teatro. Os entrevistados não souberam informar quem projetou a edificação. Mas afirmaram que na construção trabalharam apenas os moradores da colônia, sendo que até os tijolos utilizados foram produzidos pela olaria local.
A edificação passou a ser chamada de Pavilhão Juiz de Fora, composta por cinema, teatro, bar e salão de jogos, o famoso cassino. Assim, passou a ser conhecida por Cine Teatro Glória. O empreendimento foi pensado para o lazer dos colonos, de modo que o espaço era penas frequentados pelos moradores da zona dos doentes. Os médicos e a diretoria administrativa assistiam aos filmes na pequena sala de projeção, a qual o paciente não tinha acesso. O responsável pela redistribuição das cenas era ―sadio, apenas quando as máquinas deu  problema é que foi consentida a um dos moradores a entrada no local, para consertá-las.
O maquinário de projeção e todo o mobiliário do espaço foram adquiridos por meio de doações da Sociedade de Assistência aos Lázaros, instituição que repassava recursos para as quatro colônias sanitárias existentes em Minas Gerais. Atualmente estão guardadas três das máquinas de projeção no Centro de Memória do Cine Teatro Glória, uma da primeira geração e as demais da década de 1960. Os filmes transmitidos eram doados pelos cinemas de Belo Horizonte, que já não estavam mais em sua programação. Da mesma forma eram adquiridos os roteiros para uso do grupo de teatro e os instrumentos para os grupos musicais, por meio de doações a Colônia.
Destaca-se que não havia patrocínios a esses grupos, pagos apenas com recursos da Caixa Beneficente, responsável pela administração financeira do local.
Os filmes eram exibidos duas vezes durante a semana, às quartas-feiras e aos domingos. Não tinham uma classificação própria, sendo apropriados para todos os públicos. Eram filmes que continham histórias de super-heróis, faroestes, gibis, homem morcego, novelas. Conforme José Vicente, Toda quarta-feira transmitiam seriados. Era comum as crianças faltarem às aulas para ir ao cinema, de acordo com os entrevistados; pois não pagavam ingresso. Conforme José Vicente, os sadios operavam as máquinas e buscavam os rolos de filmes em Belo Horizonte.
Embora o espaço fosse destinado aos doentes, destaca-se que seu uso era hierarquizado segundo o nível financeiro dos frequentadores30. O salão nobre e o cassino eram frequentados pelos moradores mais ―ricos‖, o grupo elitizado dos pacientes. Destaca-se que o serviço ofertado dentro do salão nobre e do cassino era todo realizado por pacientes. Ao lado, estava instalado o cinema que poderia ser frequentado por todos os moradores, por um preço módico31, sendo que as crianças e os funcionários, médicos e enfermeiros sadios, não pagavam. No espaço destinado ao cinema fora montado um palco para as apresentações de teatro. Os grupos que atuavam eram da própria colônia. Neste local e no salão nobre ocorriam os shows de bandas e grupos de jazz. Era no pavilhão de diversões, que ocorriam os gritos de carnavais, os bailes dançantes e todo o tipo de atividade voltada para o lazer dos colonos.
Fonte: Dossiê de Tombamento.

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