Campos Novos – Quilombo Invernada dos Negros


Imagem: Lidiane Taffarel

O Quilombo Invernada dos Negros, em Campos Novos-SC, foi certificado como remanescente de quilombo em 2004 pela Fundação Cultural Palmares.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
FCP – Fundação Cultural Palmares

Nome Atribuído: Quilombo Invernada dos Negros
Localização: Comunidade de Corredeira – Distrito de Ibicuí – Campos Novos-SC
Certificado FCP: Portaria de 02/04/2004
Resolução de Tombamento: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
[…]

§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.
Fonte: Constituição Federal de 1988.

Observação: Os quilombos foram localizados em áreas vazias do terreno urbano para segurança dos mesmos, buscando evitar crimes de ódio racial.

DescriçãoA Comunidade Invernada dos Negros, comunidade rural situada na região meio oeste de Santa Catarina, orientada pela religião católica, foi caracterizada como um quilombo de legatários (GODOY; RABELO, 2008). Esse termo faz alusão ao fato de ter sido constituída posteriormente à doação, por testamento, de parte das terras de um fazendeiro da região a quatro de seus escravos alforriados que, segundo depoimentos, chegaram ao local no século XVIII. O documento de nascimento da comunidade, datado de 1877, é um articulador importante na constituição da identidade do grupo, que reúne 127 famílias, organizadas a partir das terras de usufruto perpétuo, garantido pelos laços de parentesco, de compadrio e geracionais, de descendência em relação aos antigos escravizados que viveram no local. Entretanto, devido a cerceamentos constantes de seu território original e à indução de êxodo por motivos econômicos, existem apenas 34 unidades domiciliares ocupadas na região (GODOY; RABELO, 2008).

A Associação Comunitária dos Remanescentes de Quilombo Invernada dos Negros foi criada em 2004 com o objetivo de pleitear, junto ao Estado, o exercício de direitos previstos para comunidades quilombolas, entre os quais o de propriedade definitiva e coletiva das terras onde viveram seus ancestrais; o processo está em tramitação. No mesmo ano, foi obtida certidão como remanescente de quilombo.

No bojo do projeto “Comunidades Negras de Santa Catarina”, e por meio da metodologia do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), o Iphan-SC inventariou 26 referências culturais, com destaque para os cemitérios (nos quais estão sepultados exclusivamente ancestrais da comunidade), as cavernas, a criação de gado solto e os modos de fazer baixeiro de lã de ovelha e muro de taipa, evidenciando “um modo de estar no mundo motivado pelo desejo de continuidade” (GODOY; RABELO, 2008).

Foi a primeira comunidade quilombola de Santa Catarina a receber a certidão de reconhecimento como remanescente de quilombo, concedida à Comunidade dos Herdeiros da Invernada dos Negros em 2 de abril de 2004, pela Fundação Cultural Palmares.

A comunidade requereu o título de propriedade coletiva da terra ao Incra, conforme o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal de 1988. O processo está em tramitação e a comunidade já possui o Relatório Antropológico, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTDI), a Portaria Declaratória publicada pelo Incra, o Decreto Declaratório de Interesse Social emitido pela Presidência da República e aguarda as avaliações, indenizações e desapropriações necessárias.
Fonte: UDESC.

Descrição: Um episódio que entrou para a história de Campos Novos foi o legado de um senhor de escravos que deu origem à localidade conhecida como Invernada dos Negros, hoje também denominada Corredeira. A pesquisadora Enedi Rosa, com base em documentos de cartório, reconstituiu a história desse núcleo de etnia negra (Anais do VI, VII e VIII Encontro Catarinense de Arquivos – Blumenau / Florianópolis / Jaraguá do Sul: 1994/96/98).

Em testamento de 12 de abril de 1876, o fazendeiro Matheus José de Souza e Oliveira, casado com Pureza Emilia da Silva, com quem não teve filho algum, conforme declarou, deu liberdade a seus escravos e deixou-lhes, quando viesse a falecer, a sua Terça – segundo o direito da época, a Terça era terça parte da herança de que o testador podia dispor livremente – “a qual lhes será dada em campos e terras lavradias dentro da Envernada”.

Os escravos alforriados por Matheus José de Souza e Oliveira, antes da data do testamento, eram três: Margarida, Damazia e Joaquim. Outros oito continuavam sendo escravos de sua esposa Pureza até que esta quisesse ou até a sua morte. Eram eles: Manoel, Jeremias, Pedro, Salvador, Innocencia, Francisco, Josepha e Domingos. Destes últimos, apenas Manoel deixou descendentes.

Entre as cláusulas de dação, Matheus impunha uma condição: esses terrenos “eles nunca por si nem por seus descendentes poderão vender, hipotecar, ou alhear por forma alguma (…), visto como eles e seus descendentes são apenas usufrutuários, e assim irá passando de pais para filhos, por morte daqueles que forem falecendo”. O motivo dessa disposição parece evidente: o de assegurar que a doação feita ficará para sempre na posse dos beneficiários do testamento, como se o senhor, mesmo depois da morte, continuasse zelando pela segurança deles. Por outro lado, essa espécie de propriedade coletiva, em que o mais importante era o uso e não a posse, tem características de direito tribal. Se for assim, era uma forma de domínio territorial coerente com a cultura do negro africano. Tratava-se de uma extensa área de quase 8 mil hectares. Para se ter uma idéia mais concreta de sua dimensão, basta imaginar que ela poderia ser dividida em 400 lotes, tomando-se como módulo um lote familiar de 20 hectares.

No caso de Campos Novos, na Invernada dos Negros, a vontade do testador acabaria por se tornar letra morta. Em 1928 – ou seja, cerca de 50 anos depois de firmado o testamento de Matheus José de Souza e Oliveira – os descendentes dos antigos legatários ingressaram na Comarca de Campos Novos com Ação de Divisão do Imóvel Invernada dos Negros, impetrada pelo advogado Henrique Rupp Júnior, com base no direito de usucapião. Em 1940, por falta de contestação (quem poderia contestar eram os próprios demandantes) foi realizada a divisão da propriedade.

Assim, a área total foi dividida em 33 quinhões. Destes, 32 quinhões foram repartidos entre 32 filhos e netos de antigos legatários, cada um deles recebendo 124,8 hectares. O último quinhão, com 3.993,6 hectares, ou seja, 50 por cento do total da área legada aos ex-escravos, coube ao advogado Henrique Rupp Júnior, a título de honorários e de despesas processuais. A época em que se concluiu a ação judicial coincidiu com a fase de exploração da madeira nessa região. Muitos dos herdeiros venderam suas terras para madeireiras e migraram. Poucos descendentes dos primitivos povoadores permaneceram no lugar.

A Invernada dos Negros foi o primeiro território quilombola reconhecido, em 2008, pelo Incra em Santa Catarina.

Em 2010, a presidência da república publicou o decreto que declarou de interesse social os imóveis abrangidos pelo Território Quilombola, marco legal para as desapropriações que aos poucos o Incra obtém na Justiça. Ao devolver as áreas à comunidade, o Incra busca estabelecer um procedimento de justiça e resgate das tradições das famílias que agora retornam às suas terras.

A sede de Corredeira tem algumas casas, a capela de Nossa Senhora Aparecida e uma escola. À pequena distância está o cemitério, onde estão enterrados os personagens iniciais dessa história.
Fonte: Prefeitura Municipal.

Comunidades Quilombolas: Conforme o art. 2º do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, “consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.”

São, de modo geral, comunidades oriundas daquelas que resistiram à brutalidade do regime escravocrata e se rebelaram frente a quem acreditava serem eles sua propriedade.

As comunidades remanescentes de quilombo se adaptaram a viver em regiões por vezes hostis. Porém, mantendo suas tradições culturais, aprenderam a tirar seu sustento dos recursos naturais disponíveis ao mesmo tempo em que se tornaram diretamente responsáveis por sua preservação, interagindo com outros povos e comunidades tradicionais tanto quanto com a sociedade envolvente. Seus membros são agricultores, seringueiros, pescadores, extrativistas e, dentre outras, desenvolvem atividades de turismo de base comunitária em seus territórios, pelos quais continuam a lutar.

Embora a maioria esmagadora encontrem-se na zona rural, também existem quilombos em áreas urbanas e peri-urbanas.

Em algumas regiões do país, as comunidades quilombolas, mesmo aquelas já certificadas, são conhecidas e se autodefinem de outras maneiras: como terras de preto, terras de santo, comunidade negra rural ou, ainda, pelo nome da própria comunidade (Gorutubanos, Kalunga, Negros do Riacho, etc.).

De todo modo, temos que comunidade remanescente de quilombo é um conceito político-jurídico que tenta dar conta de uma realidade extremamente complexa e diversa, que implica na valorização de nossa memória e no reconhecimento da dívida histórica e presente que o Estado brasileiro tem com a população negra.
Fonte: FCP.

MAIS INFORMAÇÕES:
UDESC
Mapa de Quilombos – Fundação Palmares
Bandeira, Borba e Alves
Moretto, Taffarel
Lidiane Taffarel
Sílvia Correia de Freitas


1 comments

  1. Gostei de saber um pouco mais sobre esta historia que faz parte da nossa cultura do nosso país. Fiquei surpresa em saber que tão perto de onde eu moro tem uma comunidade quilombola que até o momento eu só havia ouvido falar nos livros e em sala de aula. Através da UNC – Universidade do Contestado de Curitibanos/SC iremos fazer uma visita técnica a comunidade Remanescente Quillmbola Envernada dos Negros em Campos Nibos /SC.

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